domingo, 22 de maio de 2011

Como estrelas na Terra, toda criança é especial



Como estrelas na Terra, toda criança é especial
Índia, 2007 - 165 min.
Direção: Aamir Khan
Roteiro: Amole Gupte
Produção: Aamir Khan, B. Shrinivas Rao, Kiran Rao
Elenco: Darsheel Safary, Aamir Khan, Tanay Chheda, Sachet Engineer, Tisca Chopra, Vipin Sharma
Fotografia: M. Sethuraaman (Setu)
Edição: Deepa Bhatia
Música: Shankar Mahadevan, Loy Mendonsa, Ehsaan Noorani
Estúdio: Aamir Khan Productions


Era uma vez um menino que gostava de peixes pequeninos, tintas coloridas e pequenas inutilidades encontradas pelo caminho. Esse menino olhava para as letras e elas dançavam, concentrava-se nos números e eles ganhavam vida e viravam personagens. Seus cadernos eram plenos de marcas vermelhas; sua letra, quase um hieróglifo; suas provas, divertimento para os cachorros de rua; sua fama, de burro, distraído e vagabundo.
Essa é a história de Ishaan Awasthi, um menino indiano de 9 anos retratado no filme “Toda criança é especial”: um caso típico de dislexia, mostrado em toda sua trajetória, do fracasso à superação, com a mediação fundamental de um verdadeiro educador e toques de tinta bollywoddianas.
Produzido e dirigido por Aamir Khan, que também atua no filme como o professor Ram Nikumbh, que enxerga no infeliz Ishann algum potencial escondido e o leva a sair do lugar de fracassado, o filme foi lançado em 2007, com o título original “Taare Zameen Par – Every child is special”. Por retratar uma trajetória muito humana, basear-se em história real e ser bem fundamentado quanto aos sintomas e aos tratamentos da dislexia, o filme abriu o ciclo de encontros mensais do grupo Desenrolando a fita, composto por profissionais em formação nas áreas de Psicopedagogia e Psicologia, cuja intenção é debater temas oriundos de filmes exibidos no circuito comercial ou não.    
            Uma das primeiras impressões a respeito da personagem principal do filme Como estrelas na Terra, toda criança é especial, o garoto Ishaan, é a de que ele não cabia no cenário, tanto literalmente (em certos takes em que sua cabeça parecia enorme e ele mesmo soava desproporcional em relação ao ambiente em que estava) como também simbolicamente, deslocado daquilo que o espaço impunha como limites.
            Muito mais ligado à mãe, o menino era regido pelo princípio do prazer e não pelo princípio da realidade ─ manifesto no filme pelo pai ausente ─ o que parece ser um dos motivos pelos quais não consegue aprender. Há uma grande facilitação da mãe, que faz algumas atividades por ele, levando-o a ter dificuldades com coisas simples, como amarrar os sapatos ou vestir-se. A mãe, bastante cuidadora, apesar de seus esforços, não oportunizou a aprendizagem e não exerceu o papel regulador nessa dinâmica familiar marcada pela ausência do pai. Não foi, em linguagem winnicotiana, a mãe "suficientemente boa".
            Há sinais de prosperidade nessa família indiana, um reflexo do desenvolvimento econômico do próprio país: os filhos que estudam em uma escola elitizada, o pai que se prepara para a batalha diária no mundo do trabalho, o filho que joga tênis e é instigado a ser competitivo. O pai é um workaholic, inserido no sistema produtivo em busca da ascensão econômica. Entretanto, Ishaan está deslocado no interior desse grupo familiar. Parece um ponto fora da curva, o que se evidencia em cenas como a do sonho do trem (a estação está lotada, a mãe sobe no trem e ele não consegue entrar no vagão) e no flip-book em que retrata sua família e vai mostrando seu afastamento dela.
             Diante dos sucessivos fracassos na escola em que estuda, localizada em Bombaim, o pai de Ishaan decide matriculá-lo em outra escola, tida como linha dura, ainda mais normatizadora. O lema desse colégio interno, Nova Era, é segundo o diretor “domar cavalos selvagens”.
            O ingresso nessa escola é entendido como castigo por Ishaan. Quando conhece o único amigo no novo colégio, questiona-o sobre os motivos de estar lá, o que teria feito de errado para seus pais o mandarem para aquela escola.
            A postura opressora da escola, o evidenciamento do erro e do fracasso e o afastamento dos pais faz com que Ishaan fique cada vez mais deprimido. Não se comunica, não come, se nega a conversar com a família e finalmente para de pintar, o que sempre gostou de fazer.
O surgimento do professor de artes substituto, com uma abordagem muito diversa daquela dos professores do colégio, muda a vida de Ishaan e de toda a escola.  A competição de pinturas proposta por ele foi um marco da mudança na cultura da escola: essa atividade artística pôde incluir alunos e mesmo alguns professores, que tiveram a oportunidade de lidar com atividades sobre as quais não tinham domínio.
É verdade que houve, no filme, uma evolução rápida do garoto a partir das intervenções psicopedagógicas do novo professor, acostumado a lidar com crianças com necessidades especiais. O filme deu mais ênfase ao sofrimento de Ishaan que ao processo de transformação que passa a partir do olhar desse professor. Ainda assim, é bastante didático ao mostrar o quanto a escola ainda está despreparada para lidar com alunos que apresentam formas e ritmos de aprendizagem diferentes dos da maioria.
Entra em cena, portanto, a dislexia, que vinha manifestando já nos primeiros anos escolares sem que ninguém se desse conta desse distúrbio.
Cabe ressaltar que nem sempre uma criança disléxica ou com qualquer outra dificuldade de aprendizagem escolar será um "gênio" ou um artista brilhante. Mas certamente ela poderá ter maior facilidade em outros tipos de atividade.
A dislexia:
- é sempre de fundo orgânico e pode se somar a questões ambientais
-  aponta para certa dificuldade de localização espacial, certa lentidão na motricidade, dificuldade de sequência e problemas com a lateralidade
- por vezes leva a confundir cores (não é o caso de Ishaan)
- pode se caracterizar pela inversão (espelhamento) de letras, mas nem sempre
        Ao final do nosso debate, pensamos no papel do professor e na dinâmica escolar atual frente à dislexia.
        A atenção flutuante das crianças e jovens que são capazes de fazer várias atividades ao mesmo tempo está sendo estudada e não se sabe ainda se é efetivamente uma vantagem, uma vez que há indícios de que essa atenção se divide superficialmente entre várias coisas mas não se aprofunda.
        Embora o professor atualmente busque se renovar ao longo de sua prática, não será possível dar conta de tudo: de estar em sintonia com as novas tecnologias, de desenvolver atividades de ensino cada vez mais inusitadas para manter a atenção do aluno, nessa supervalorização do novo, da novidade. No entanto continua sendo sua função desenvolver o pensamento crítico, a habilidade de argumentar e de levar o aluno ser no mundo.







Grupo de discussão:
Alcione Marques - Instituto Sedes Sapientiae
Cristina Maria Souza Monteiro - UNIP
Jandira P. C. Melo - Instituto Sedes Sapientiae
Maria Paula Parisi Lauria - Instituto Sedes Sapientiae
Vera Inez Nunes Vianna - Instituto Sedes Sapientiae
Mediação: Ms. Elisa Maria Pitombo - Instituto Sedes Sapientiae




2 comentários:

  1. Boa tarde! Sou psicopedagoga formada pela Universidade São Camilo e fiquei sabendo do blog de vcs através de uma colega de trabalho da minha mãe. Parabéns pela iniciativa e pela resenha do filme, o qual assisti por indicação do curso e adorei!

    Abs,

    Tamara

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  2. Tamara, que bom que você está acompanhando nossas discussões! Temos certeza que enriquecerá suas reflexões na prática psicopedagógica. Em agosto retomaremos nossos encontros, acompanhe brevemente o calendário de filmes. Um grande abraço!

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